Instituto
Elpídio dos Santos
Elpídio dos Santos e Mazzaropi
Talento em dose dupla
Todos sabemos da importância das músicas nos filmes: servem, entre outros atributos, para criar um clima, reforçar uma imagem, enfatizar uma ação. Nesse sentido, convém notar que a filmografia de Amácio Mazzaropi, assim como a de Glauber Rocha, fortaleceu um novo paradigma na utilização da música no cinema, que agora passa a ajudar a contar a história e, portanto, a compor a narrativa do filme.
Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de 2019
Esse é um dos pontos fundamentais para explicar a importância da parceria entre o cineasta e o compositor, entre Mazzaropi e Elpídio dos Santos. As músicas deveriam captar a mensagem do filme e compor o universo criado pelo roteiro. Elpídio conseguia traduzir em canções o que Mazzaropi pretendia contar em imagens. Um dos exemplos mais icônicos disso é o da cena a seguir:
Fogo no rancho ( Elpídio dos Santos e Anacleto Rosa Jr. ) “Filme Jeca Tatu”
Ela traz o universo caipira por excelência, mesclando a tristeza de um pai que deixa sua filha para trás e a decepção do empregado com o dono da fazenda. O filme “Jeca Tatu” é de 1959, do início da carreira cinematográfica de Mazzaropi. E a cena também faz parte de outro filme, “Tapete Vermelho”, do cineasta Luiz Alberto Pereira, de 2019, que procura reinventar esse universo e fazer uma homenagem a Mazzaropi, o “cineasta das plateias”.
Mas Mazzaropi não representou apenas o universo caipira. Ele também trouxe para as telas a periferia de São Paulo, onde viveu. O fragmento do filme a seguir retrata o lugar onde hoje estão os bairros Vila Isabel, Vila Madalena e Vila Ida.
Linguiceiro – Elpídio dos Santos – “Filme O vendedor de linguiça”
Como nasceu a parceria de Mazzaropi com Elpídio dos Santos?
Segundo Cinira Pereira dos Santos, esposa de Elpídio, certa feita um circo chegou a São Luiz do Paraitinga (SP), em um dia chuvoso, e não pôde se apresentar em razão da falta de músicos, atolados no meio do caminho. Elpídio, então, viabilizou o espetáculo convidando seus amigos músicos locais para participarem da apresentação. Esse foi o início de uma sólida amizade com Mazzaropi, que, afora o afeto, rendeu 26 canções de Elpídio compostas para 19 filmes do cineasta.
Mazzaropi, o ator que melhor personificou o caipira, nasceu na cidade de São Paulo, em 9 de abril de 1912, filho do italiano Bernardo Mazzaropi e de Clara Ferreira, ela descendente de imigrantes da Ilha da Madeira.
Quando tinha dois anos de idade, sua família mudou-se para Taubaté (SP). Mas Mazzaropi passava longas temporadas ao lado de seu avô materno, João José Ferreira, exímio tocador de viola, dançarino e animador de festas na vizinha Tremembé, onde morava. O netinho, que o acompanhava sempre, acabou se encantando com a vida cultural dos caipiras.
O compositor Elpídio dos Santos nasceu em 14 de janeiro de 1909, em São Luiz do Paraitinga. Seu pai era maestro de uma banda local, o que favoreceu que ele estudasse música e tocasse vários instrumentos de sopro. Em 1956 mudou-se para a capital paulista, onde estudou no Conservatório Paulista de Canto Orfeônico. Trabalhou como bancário, mas nunca abandonou a música: converteu-se em excelente violonista e seguiu a vida tocando, compondo e ministrando aulas de música. Ele foi um compositor profícuo. Voltou a morar em São Luiz do Paraitinga e ali faleceu no auge de sua produção musical, em 3 de setembro de 1970. Em sua homenagem, nos meses de setembro é realizada a Semana Elpídio dos Santos em sua cidade natal.
O cineasta e o compositor percorreram trajetórias distintas, mas que convergiram para as mesmas experiências comuns: o olhar poético para as áreas menos glamorosas de São Paulo, como as mostradas no filme “O vendedor de linguiça”, e a atenção respeitosa para com a zona rural, o interior paulista e seus moradores.
O talento e as ousadias estéticas consolidaram a parceria Mazzaropi-Elpídio. Ambos foram contemporâneos, viveram seus universos particulares e, juntos, produziram uma obra única, universal.